Tecnologia aerospacial ao volante do seu automóvel

Automotive

Quando era uma menina pequena a crescer nos anos 80, estava fascinada com filmes como o Regresso ao Futuro e, mais ainda, com a série O Justiceiro. Eu sabia, de forma intuitiva, que aquelas tecnologias futuristas eram apenas ficção-científica, mas eram, sem qualquer dúvida, inspiradoras. Desde então sonhei com a oportunidade de poder contribuir para tornar realidade alguns destes sonhos de alta tecnologia. E que melhor oportunidade do que aplicar duas das minhas grandes paixões, o espaço e as telecomunicações, na tecnologia de navegação por satélite, que é crucial para a próxima geração de veículos autónomos? Veículos autónomos que, de acordo com Yuval Noah Harari, o historiador e professor israelita, “deverão salvar as vidas de um milhão de pessoas cada ano”.

Passaram quase quarenta anos, e estamos quase lá. No entanto, a tecnologia de condução autónoma não aparece de um dia para o outro, implica um processo relativamente longo. A boa notícia é que os níveis mais baixos de autonomia (níveis 0, 1 e 2) no setor automóvel estão presentes na maior parte dos veículos atuais. Considera-se que funcionalidades atuais como a Travagem automática de emergência, a Assistência de manutenção na faixa de rodagem ou o Controlo da velocidade adaptativo reduzem os acidentes em 40%.

Os níveis de tecnologia da condução autónoma são classificados de 0 a 5, sendo 0 os automóveis clássicos que conhecemos desde há muitos anos, nos quais o condutor é a única parte responsável por todas as operações realizadas no veículo. O nível 5 significa que não é necessária qualquer intervenção humana em quaisquer condições ou local.

A condução autónoma de nível 3, Automação condicional, que é o objetivo atual, significa que o sistema ADAS (Sistemas avançados de assistência ao condutor) podem tomar controlo do veículo durante longos períodos sem qualquer supervisão. O veículo pode solicitar que o condutor tome controlo do carro se o contexto não for adequado para a função. À medida que o nível da tecnologia de condução autónoma aumenta, a capacidade do veículo de tomar decisões independentes torna-se essencial. Mas os algoritmos de inteligência artificial (IA), que são a base deste processo de tomada de decisões independente, exigem vários requisitos para os veículos autónomos: poderosos computadores de bordo, informação em tempo real, conectividade contínua, mecanismos de segurança, localização precisa, deteção/identificação de obstáculos e outros. Para além disso, a infraestrutura inteligente irá também contribuir para os algoritmos de IA que são executados em veículos autónomos.

Graças à Lei de Moore, segundo a qual a observação que o número de transístores num circuito integrado denso duplica a cada dois anos, os computadores a bordo têm potência suficiente para executar o software complexo que implementa as funções ADAS. A Jaguar Land Rover calculou que a condução autónoma irá requerer 1000 vezes o montante de código-fonte usado na Apollo 11. O posicionamento preciso do veículo significa que toda a informação reunida pelos sensores deve ser processada (câmara, lidar, radar, GNSS, sensores de inércia, odómetro, etc.). Trata-se de um montante gigantesco de dados, de cerca de vários terabites por dia. Para além disso, a evolução da eletrónica permitiu a integração de equipamento e dispositivos a bordo que não eram comportáveis para aplicações do mercado de massas até há alguns anos atrás. Ao mesmo tempo, a revolução da telecomunicação, conectividade em qualquer lugar e em qualquer momento, e a proliferação de tecnologias como C-V2X 5G ou ITS -G5, tornam possível o acesso a informação em tempo real no seu veículo com uma largura de banda inacreditável até há pouco tempo.

Mas, mesmo com todos os avanços, os veículos autónomos não seriam viáveis sem a localização absoluta de alta precisão. E é aqui que a tecnologia de navegação por satélite entra em campo, saída diretamente do banco de suplentes. Outras tecnologias, como o radar e as câmaras, são usadas para detetar obstáculos ou localizar o veículo relativamente a outros objetos. Mas os algoritmos do GNSS (Sistemas Globais de Navegação por Satélite) são necessários para posicionar o carro num mapa com uma precisão suficiente para distinguir as faixas na estrada. O GPS e o Galileo, que são extremamente conhecidos no setor aeroespacial, permitem agora muitas aplicações diferentes noutros mercados como a agricultura de precisão, a Internet das Coisas e, claro, os automóveis. A este respeito, as técnicas GNSS tiveram de ser adaptadas para trabalhar com equipamento de classe automóvel de baixo custo, em condições difíceis de condução (folhagem densa ao longo das estradas, sinais de trânsito, tráfego denso e túneis) e, simultaneamente, proporcionar soluções robustas e seguras de posicionamento de alta precisão. É incrível como o GNSS, que há 15 anos apenas era usado por indústrias altamente especializadas (aerospacial, aeronáutica, defesa, etc.), se tornou num ativo que está atualmente presente em muitos aspetos da nossa vida diária.

E o percurso da tecnologia de condução autónoma ainda não terminou! Casos de utilização inicial da tecnologia de condução autónoma de Nível 3 são muitas vezes publicitados pelos meios de comunicação. Vídeos de sistemas de Last Mile Delivery (última milha de entrega) para bens e encomendas residenciais ou First/Last Mile Shuttles (transportadores de rota fixa) podem ser facilmente encontrados no YouTube. Nestes casos, o contexto operacional é restringido no sentido de a rota, a velocidade e as condições ambientais poderem ser limitadas. A função do GNSS é crucial, não apenas para proporcionar uma solução de posicionamento absoluto de elevada precisão, mas também por causa do nível de integridade que o GNSS pode garantir. Saber com precisão o posicionamento exato do veículo não é suficiente, e os algoritmos de condução autónoma devem também garantir que a probabilidade de correção do posicionamento para além de uma certa área segura seja inferior a 1 em vários milhões. A aviação civil tem melhorado a integridade do GNSS nas operações de aproximação à pista ao longo de muitos anos e, graças a esta experiência, foram derivadas estratégias similares para usar a integridade GNSS na condução autónoma.

Assim sendo, quais são os passos seguintes? O nível 4 de tecnologia de condução autónoma, a condução de alta automatização, implica que a capacidade do veículo aumenta e que o veículo pode intervir, se as condições piorarem ou se ocorrer uma falha do sistema, mesmo que o condutor ainda tenha a opção de desativar manualmente. Este é o desafio atual e dos próximos anos. As condições operacionais terão de ser aumentadas e não serão tão restringidas. O número de casos de utilização irá também aumentar: veículos totalmente autónomos sobre diferentes tipos de estradas, robóticas móveis, indústria 4.0 e muito mais. Isto significa que a quantidade de informação a ser processada e a complexidade dos algoritmos de posicionamento está a crescer de forma exponencial. Ainda há muito trabalho a fazer, mas seremos capazes de começar a ver os resultados muito em breve.

As perspetivas são prometedoras, mas devemos ter em conta que, até agora, a discussão tem sido puramente técnica. E não podemos esquecer outros temas como a legislação, a regulação, a adaptação das estradas e da infraestrutura ou a ética. Citando novamente Yuval Noah Harari: “O que significa que, ao desenhar o seu veículo autónomo, a Toyota ou a Tesla estarão a transformar um problema teórico da filosofia ou da ética num problema prático da engenharia.” Pergunto-me se a autonomia completa enquanto realidade será determinada pelo ritmo do progresso técnico ou pelo desenvolvimento das normas e da legislação. Mas uma coisa é clara para mim: A tecnologia aerospacial já está ao volante dos nossos veículos.

 

Autora: Irma Rodríguez

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