Megaincêndios: novos conceitos para novas realidades

 

 

Infelizmente, as notícias sobre incêndios florestais acompanham-nos durante todas as épocas estivais. Se, para além disso, tiver crescido num país mediterrânico como eu, provavelmente o número de notícias sobre incêndios que tenham permanecido na sua memória remontem até à infância. Na minha, fixaram-se três notícias sobre incêndios ocorridos entre 1999 e 2006, uma vez que a sua magnitude crescente me fez repensar sobre o significado dos conceitos “devastador”, “desastre ecológico” e “perdas humanas e económicas”.

O primeiro destes incêndios teve lugar no dia 20 de agosto de 1999 no Monte Abantos em San Lorenzo del Escorial, Madrid. Arderam 425 hectares[1] e o acontecimento foi definido como um “desastre ecológico” em inúmeros meios de comunicação. Seis anos mais tarde, a 16 de julho de 2005, um churrasco num parque de merendas de Guadalajara, em Castilla-La Mancha, provocou um incêndio em que morreram 11 pessoas e que arrasou mais de 10 000 hectares[2], entre os quais se encontravam zonas de alto valor ecológico. No verão seguinte, entre 3 e 15 de agosto de 2006, uma vaga de incêndios devastou a Galiza. Estima-se que foram calcinados mais de 90 000 hectares[3], faleceram quatro pessoas e a estimativa das perdas económicas oscilou em torno dos 211 e 296 milhões de euros[4]

A maior parte dos incêndios que ocorrem em Espanha são intencionais ou fruto de negligências[5]. No entanto, as condições meteorológicas desempenharam um papel importante no controlo e propagação destes incêndios. Para além de fortes ventos, como no caso do Monte Abantos, as condições meteorológicas foram especialmente negativas nos dois últimos devido a uma seca prolongada entre 2004-2007 e a uma onda de calor ocorrida em 20066. Apesar de terem ocorrido diversos incêndios florestais nestes dias em toda a Espanha, o seu número reduziu-se notavelmente desde 1994[6], graças ao esforço conjunto das Administrações Públicas, das Forças e Corpos de Segurança do Estado e da colaboração cidadã.

Noutras zonas da Europa, condições meteorológicas similares contribuíram para dificultar os trabalhos de extinção e aumentar a magnitude dos incêndios e dos seus efeitos em cascata. Por exemplo, no incêndio ocorrido em Portugal em 2017, no qual arderam cerca de 500 000 hectares e faleceram 120 pessoas[7], e em Ática, Grécia, em 2018, que, apesar de ter ocupado uma extensão muito menor, provocou a morte de 102 pessoas[8].

Nos últimos anos, alguns dos incêndios que tiveram lugar são particularmente preocupantes do ponto de vista ambiental porque, ou estão a aumentar em solos com alto conteúdo em carbono como no Ártico[9], ou estão a atingir dimensões nunca vistas até agora, como na Austrália.

No Ártico, os raios são a principal causa de incêndios. Espera-se que o número de raios aumente 85% nos bosques boreais e que duplique nas zonas de tundra como consequência das alterações climáticas[10]. Em 2020 foram atingidos novos recordes de emissões de CO2, 244 megatoneladas entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2020[11]. Na Austrália, diferentes instituições oficiais apontam para os raios como a principal causa dos incêndios ocorridos na temporada 2019-2020 em que arderam mais de 17 milhões de hectares, faleceram 33 pessoas e se perderam 3094 casas[12]. Um desastre sem precedentes que teve efeitos potencialmente irreversíveis em algumas espécies ameaçadas ou em perigo de extinção. O Governo da Austrália já começou a trabalhar num plano de intervenção e recuperação urgente de 810 espécies.[13]

O que são os megaincêndios?

O aparecimento recorrente de notícias sobre incêndios florestais com crescente intensidade e magnitude nos últimos anos começou a generalizar o uso do termo “megaincêndio”. Este termo faz referência a incêndios de mais de 40 000 hectares, muito difíceis de conter e normalmente exacerbados por condições climatéricas extremas como altas temperaturas prolongadas e seca[14]. Originalmente, o termo megaincêndio foi utilizado para descrever grandes incêndios no oeste dos Estados Unidos[15] e o seu uso popularizou-se para descrever incêndios de grande intensidade e magnitude em todo o mundo. Os fatores e características que definem este tipo de incêndio deveriam ser determinados com maior precisão para evitar possíveis ambiguidades no seu uso e interpretação em diferentes partes do mundo e, como ocorre com outros termos, ser incluído em glossários temáticos[16]

Os megaincêndios ocorridos em diferentes regiões nos últimos anos —entre outras, no sul do Chile em 2017, na Califórnia, 2018 e 2020, e na Amazónia, 2019— e os que estão a ocorrer atualmente, constituem a perda de espaços naturais de alto valor ecológico que contribuem, para além disso, para o bem-estar social de muitas maneiras. Uma delas é o impacto positivo que tem a natureza na saúde e na perceção de felicidade [17],[18],[19] e que tanto foi valorizada durante o confinamento pelo COVID-19. A degradação dos ecossistemas e a destruição do património natural põem em sério perigo a conservação da biodiversidade e, portanto, os serviços ecosistémicos que dela derivam.

Como está a contribuir a Europa para prevenir megaincêndios?

Entre 2010 e 2016, a Grécia, Espanha, França, Itália e Portugal reportaram conjuntamente mais de 40 000 incêndios ao ano. Observou-se que a temporada de incêndios se alargou nos últimos 30 anos devido aos efeitos das alterações climáticas[20]. Uma melhora na monitorização dos incêndios e na coordenação para os combater é mais crucial que nunca.

A Comissão Europeia e a Agência Espacial Europeia (ESA, nas suas siglas em inglês) estão a apoiar e a contribuir para a monitorização das massas florestais e dos incêndios através da Nova Estratégia Florestal Europeia 2030[21] e do financiamento de projetos operacionais.

Nos últimos 20 anos, a Comissão Europeia financiou 56 projetos sobre ecologia do fogo, prevenção, supressão e recuperação20. Projetos como FIRESMART, FUELMAP e ARCFUEL, em que a GMV participou, colocam em evidência a utilidade dos dados de satélite para quantificar áreas queimadas, elaborar mapas de combustíveis e consciencializar a população. No entanto, a integração desses dados geoespaciais em enfoques holísticos é necessária para predizer, monitorizar e avaliar as causas e consequências dos incêndios de forma integral, o que ajudará a melhorar a tomada de decisões.

Em abril de 2021, o projeto Horizonte 2020 FirEUrisk nasceu para contribuir para uma mudança de paradigma na gestão de incêndios florestais na Europa. Este projeto, liderado pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI) vai receber 10 milhões de euros para desenvolver um enfoque holístico da prevenção do risco de incêndios e adquirir conhecimentos que ajudem a abordar os desafios vinculados às condições europeias de incêndios florestais atuais e às prognosticadas para as próximas décadas.

A GMV vai coordenar as tarefas de efeitos em cascata e a demonstração de soluções a nível pan-europeu e em cinco regiões selecionadas: o condado de Kalmar (Suécia), Europa Central (Brandeburgo e Saxónia na Alemanha, Boémia na República Checa e Silésia na Polónia), Portugal central, Barcelona (Espanha) e Ática (Grécia).

Em colaboração com 39 instituições de 19 países, a GMV enfrenta o seu papel no projeto Horizonte 2020 FirEUrisk como uma oportunidade para contribuir para o desenvolvimento e coordenação de soluções geoespaciais inovadoras que marquem a diferença no avanço e na melhora da gestão de incêndios florestais na Europa. 

 
 

 

Autor: Marta Gómez-Giménez

Dr. sc. nat. | Project Manager

Remote Sensing Services & Geospatial Analytics Division

Payload Data Processing and Applications Business Unit

 

[1] Câmara Municipal de San Lorenzo del Escorial. “Cumprem-se 20 anos do incêndio do Monte Abantos com os esforços municipais dirigidos para a prevenção.”  https://www.aytosanlorenzo.es/actualidad/se-cumplen-20-anos-del-incendio-del-monte-abantos-con-los-esfuerzos-municipales-dirigidos-a-la-prevencion/

[2] Os peritos do incêndio de Guadalajara de 2005 asseguram que o fogo teve origem nos churrascos. https://www.rtve.es/noticias/20120703/peritos-del-incendio-guadalajara-aseguran-fuego-se-origino-barbacoas/541779.shtml

[3] Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação. Governo de Espanha. “Incêndios florestais em Espanha. Decénio 2001-2010” https://www.mapa.gob.es/es/desarrollo-rural/estadisticas/incendiosforestales2001-2010finalmod1_tcm30-132603.pdf

[4]  Barrio, M., Loureiro, M. L., & Chas, M. L. (2007). An approximation to the short term economic losses caused by the wildfires in Galicia during 2006. Economía Agraria y Recursos Naturales - Agricultural and Resource Economics, 7(14), 45–64. https://doi.org/10.7201/earn.

[5] Ministério de Agricultura, Alimentação e Meio ambiente. Governo de Espanha. Last Access [12/07/2021] “O que sabemos sobre os incêndios florestais?” www.magrama.gob.es/es/desarrollo-rural/estadisticas/Incendios_default.aspx

[6] Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação. Governo de Espanha. “Os incêndios florestais em Espanha decénio 2006-2015” https://www.mapa.gob.es/es/desarrollo-rural/estadisticas/incendios-decenio-2006-2015_tcm30-511095.pdf

[7] Turco, M., Jerez, S., Augusto, S., Tarín-Carrasco, P., Ratola, N., Jiménez-Guerrero, P., & Trigo, R. M. (2019). Climate drivers of the 2017 devastating fires in Portugal. Scientific Reports, 9(1), 13886. https://doi.org/10.1038/s41598-019-50281-2

[8] Xanthopoulos, G., Mitsopoulos, I. “The catastrophic fire of July 2018 in Greece and the Report of the Independent Committee that was appointed by the government to investigate the reasons for the worsening wildfire trend in the country.” FireLinks. First General Assembly & 2nd MC meeting October 8-9, 2018, Sofia, Bulgaria. Last access [20/07/2021] https://firelinks.eu/wp-content/uploads/2019/11/Xanthopoulos-Mitsopoulos-The-catastrophic-fire-of-July-2018-in-Greece-for-Firelinks-site.pdf

[9]  National Park Service. US Department of the Interior. US Government. “Fire Extent and Frequency Resource Brief for the Arctic Network”

 https://www.nps.gov/articles/000/fire-extent-and-frequency-resource-brief-arctic-network.htm

[10] Vrije Universiteit Amsterdam. “Increasing lightning fires in Arctic will further warm climate” 

 https://vu.nl/en/news/2021/increasing-lightning-fires-in-arctic-will-further-warm-climate

[11] European Commission. Copernicus. “Copernicus reveals summer 2020’s Arctic wildfires set new emission records”. https://atmosphere.copernicus.eu/copernicus-reveals-summer-2020s-arctic-wildfires-set-new-emission-records

[12] Richards, L., Brew, N., Smith, L., Australian Government. 2019-20 Australian bushfires –frequently asked questions: a quick guide.  https://www.aph.gov.au/About_Parliament/Parliamentary_Departments/Parliamentary_Library/pubs/rp/rp1920/Quick_Guides/AustralianBushfires

[13] Department of Agriculture, Water, and the Environment, Australian Government. “Bushfire impacts”. https://www.environment.gov.au/biodiversity/bushfire-recovery/bushfire-impacts

[14] UN Environment Programme. “Are “megafires” the new normal?” https://www.unep.org/news-and-stories/story/are-megafires-new-normal

[15] Pyne, S. “Megaburning: The meaning of Megafires and the Means of the Management.” Wildfire 2007 – 4th international wildland fire conference, Sevilha, Espanha 13-17 de maio. http://www2.fire.uni-freiburg.de/sevilla-2007/contributions/doc/cd/INTRODUCTORIAS_ST/Pyne_ST1.pdf

[16] Tedim, F., Leone, V., Amraoui, M., Bouillon, C., Coughlan, M. R., Delogu, G. M., Fernandes, P. M., Ferreira, C., McCaffrey, S., McGee, T. K., Parente, J., Paton, D., Pereira, M. G., Ribeiro, L. M., Viegas, D. X., & Xanthopoulos, G. (2018). Defining Extreme Wildfire Events: Difficulties, Challenges, and Impacts. Fire, 1(1), 9. https://doi.org/10.3390/fire1010009

[17] White, M. P., Alcock, I., Grellier, J., Wheeler, B. W., Hartig, T., Warber, S. L., Bone, A., Depledge, M. H., & Fleming, L. E. (2019). Spending at least 120 minutes a week in nature is associated with good health and wellbeing. Scientific Reports, 9(1), 7730. https://doi.org/10.1038/s41598-019-44097-3

[18] Bratman, G. N., Anderson, C. B., Berman, M. G., Cochran, B., Vries, S. de, Flanders, J., Folke, C., Frumkin, H., Gross, J. J., Hartig, T., Kahn, P. H., Kuo, M., Lawler, J. J., Levin, P. S., Lindahl, T., Meyer-Lindenberg, A., Mitchell, R., Ouyang, Z., Roe, J., … Daily, G. C. (2019). Nature and mental health: An ecosystem service perspective. Science Advances, 5(7), eaax0903. https://doi.org/10.1126/sciadv.aax0903

[19] Methorst, J., Rehdanz, K., Mueller, T., Hansjürgens, B., Bonn, A., & Böhning-Gaese, K. (2021). The importance of species diversity for human well-being in Europe. Ecological Economics, 181, 106917. https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2020.106917

[20] Cardoso Castro Rego, F. M., Moreno Rodríguez, J. M., Vallejo Calzada, V. R., & Xanthopoulos, G. (2018). Forest fires: Sparking firesmart policies in the EU. European Commission.  https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/181116_booklet-forest-fire-hd.pdf

[21] European Commission, “New EU Forest Strategy for 2030”.  https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/communication-new-eu-forest-strategy-2030_with-annex_en.pdf

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